Um momento inesquecível une Diego e Sombra num passeio que sela seu vínculo e prova que amor e perseverança caminham lado a lado.
Capítulo 89 - O Dia Que Andamos Juntos
Era uma manhã que tinha cheiro de promessa. O céu estava límpido, um azul contínuo como raramente se vê, e o ar trazia aquele friozinho gostoso de outono. Diego acordou cedo, sem precisar de despertador ou de meus toques suaves. Ele sabia, como se o coração tivesse marcado na agenda, que aquele dia seria diferente. Desde a chegada da cadeira motorizada e da viagem ao mar, ele vinha falando sobre andar. Não o andar das pernas, que o corpo não permitia, mas o andar da independência, da liberdade. — Quero andar ao lado do Sombra — escreveu no tablet dias atrás. E, naquele dia, estávamos prontos para tornar esse desejo realidade.
Passamos semanas treinando. Eu, Carlos e Diego criamos um roteiro. Primeiro, passeios curtos ao redor da casa com a cadeira. Depois, trajetos mais longos até a esquina, a padaria, a praça. Sombra adaptara-se incrivelmente bem. Graças aos ensinamentos do Curso de Adestrador de Cães, ele aprendeu a caminhar ao lado da cadeira motorizada sem se assustar com os movimentos ou o som do motor. Ensinei-o a parar quando a cadeira parava, a avançar quando ela avançava. Usávamos o reforço positivo: petiscos, carinho, palavras de incentivo. Diego observava, aprendia, sorria. Às vezes, tocava a orelha de Sombra e sussurrava algo só para ele. Era como se estivessem em um complô de irmãos.
O percurso que escolhera para o “dia que andaremos juntos” era simbólico: do nosso portão até o parque onde ele e Sombra passaram tantas tardes ao longo dos anos. Aquele parque testemunhara as primeiras tentativas de empurrar a cadeira manual, as primeiras brincadeiras com Sombra, os piqueniques, as lágrimas de frustração e os risos de conquistas. Lídia e Clara sabiam do plano e tinham marcado encontros com os colegas de Diego para celebrar. Dona Helena ficou encarregada de levar brownies; Lourdes, de preparar biscoitos para os cães; Bolt, claro, também estaria lá. Tudo estava pronto.
Vestimos Diego com calça confortável, casaco de moletom azul e tênis novos. Ele colocou um cachecol, presente da avó, com o cuidado de quem se arruma para um evento importante. Sombra estava de lenço vermelho, coleira azul e brilho nos olhos. Carlos checou a bateria da cadeira, a pressão dos pneus e os freios. Eu respirei fundo, me dividindo entre emoção e nervosismo. Quando abri o portão, o sol entrou sem pedir licença, iluminando nosso quintal. Diego sorriu largo, olhou para Sombra e escreveu: “Vamos?”. Eu respondi: — Vamos. — Apertei o botão de ligar da cadeira, e ela fez um zumbido baixo. Diego posicionou a mão no joystick. Sombra se colocou ao lado, ligeiramente à frente da roda. Caminhamos.
Saímos pelo portão devagar. Primeiro, um metrinho, depois dois. Diego testava o joystick com segurança, movendo a cadeira com precisão. Sombra olhava para a rua e para a cadeira, atento. Chegamos à calçada. O primeiro desafio: a rampinha que íamos sempre para sair de casa. Levantei a cabeça e vi Carlos, atrás, pronto para ajudar. Diego respirou e avançou. A cadeira subiu, Sombra acompanhou. Para fora, o mundo se expandia. As pessoas na rua nos viram e acenaram. Dona Helena estava no portão, com as mãos juntas, como quem assiste a uma procissão. — Olha só esses meninos! — exclamou. — Eu sabia que ia ser lindo. — Diego acenou com a mão livre. Sombra abanou o rabo. Eu sorri e limpei uma lágrima rápida que surgiu.
Seguimos pela rua principal. Era asfaltada, mas havia buracos, carros, gente passando. Eu e Carlos íamos um pouco atrás, atentos, mas sem interferir. Diego controlava a cadeira com maestria. Desviava dos buracos, parava nas esquinas. Sombra, obediente, seguia ao seu lado. As pessoas que nos conheciam paravam para observar. Alguns levantavam o polegar, outros diziam palavras de incentivo. A padaria abriu a porta e o padeiro, sempre sorridente, gritou: — Bom passeio, campeão! — Uma senhora com sacolas parou e disse: — Isso é o amor caminhando! — E era. A cada passo, ou melhor, a cada metro, eu sentia uma onda de gratidão.
Chegamos à avenida que dava acesso ao parque. Eu sabia que o maior desafio era atravessá-la. Havia carros passando. Paramos na faixa de pedestres. Pressionei o botão do semáforo. O sinal vermelho para os carros acendeu, e o verde para pedestres piscou. — Vai devagar, meu amor — murmurei. Diego avançou. Sombra foi junto. No meio da faixa, um carro que não prestou atenção avançou um pouco, fazendo barulho. Meu coração subiu à garganta. Carlos deu um passo à frente. Diego, firme, parou. Sombra se posicionou na frente da cadeira, como se quisesse dizer “pare”. O motorista freou completamente, pediu desculpas com a mão. Respirei de novo. — Você está indo muito bem — falei. Diego sorriu, e avançou. Do outro lado da rua, já dava para ouvir risadas de crianças, o farfalhar das árvores do parque e o som de uma música ao longe.
O portão do parque estava decorado com balões coloridos, cartazes com palavras como “Bem-vindos!”, “Dia especial!”, “Somos todos caminhantes!”. As crianças da escola estavam à nossa espera. Lídia e Clara estavam ali, ao lado de uma mesa com sucos e bolos. Lourdes segurava Bolt, que abanava o rabo freneticamente. Dona Helena trazia um tabuleiro cheio de brownies. Quando cruzamos o portão, as crianças aplaudiram. Foi espontâneo, sincero. Algumas gritavam: — Diego! Sombra! — Outras balançavam cartazes escritos com letras coloridas: “Você consegue!” “Somos seus fãs!” Diego parecia em estado de graça. Ele se virou para mim, olhos brilhando, e escreveu no tablet: “Está acontecendo!”. Eu ri, abracei-o e respondi: — Sim, meu amor. — Era real. Aquele dia tinha chegado.
Lídia pegou o microfone de um pequeno amplificador e disse: — Hoje, estamos testemunhando algo que vai muito além de um passeio. Estamos vendo o resultado de amor, dedicação, amizade e, principalmente, do desejo de andar junto, de estar junto. — Ela olhou para Diego. — Você sempre nos disse que queria caminhar ao lado do Sombra. E hoje você está. Isso é lindo. — Clara, emocionada, completou: — E também nos mostra que todos nós, quando sonhamos, podemos realizar coisas incríveis. Precisamos uns dos outros. — As crianças aplaudiram de novo.
Após os discursos breves, Lídia propôs uma caminhada coletiva. — Vamos todos andar com o Diego e Sombra pela pista do parque — sugeriu. — Quem tem bicicleta, patins, cadeira de rodas, andador, pode participar. O importante é andarmos juntos. — A ideia foi aceita imediatamente. Crianças montaram em suas bicicletas, algumas com rodinhas; outras calçaram patins; duas crianças trouxeram seus skateboards. Havia um menino com muletas, uma senhora com bengala. Todos queriam participar. A pista era circular, arborizada, com trechos de sol e sombra. Formamos uma fila heterogênea, colorida, com risos e ansiedade. Diego posicionou-se à frente, ao lado de Sombra. Lídia estava com um apito para dar a largada simbólica. — Prontos? — perguntou. Todos gritaram “Sim!”. O apito soou. E lá fomos nós.
A sensação de ver a cena de trás era indescritível. A cadeira motorizada avançando ao lado de um pastor alemão, seguida por crianças de bicicleta, adultos caminhando, jovens de patins. Era como um desfile de inclusão e amizade. Olhei para Carlos e ele me segurou a mão, apertando-a com força. Ele também estava emocionado. Diego olhava para a frente, concentrado, mas sorria de vez em quando quando algum amigo passava a seu lado e dizia “Ei!”. Sombra caminhava como um rei, cabeça alta, rabo balançando. Bolt tentava acompanhá-lo, às vezes se atrapalhava com suas patas grandes, e as crianças riam. A cada curva, a cada árvore, eu sentia que o parque, que já tinha tantas memórias nossas, ganhava mais uma. E das importantes.
Depois de completar a volta, paramos no gramado para um piquenique. As crianças correram para os cobertores, pegaram sucos e bolos. Diego desligou a cadeira e se sentou no chão, com Sombra deitando-se ao lado e apoiando a cabeça em seu colo. Eu me sentei ao lado dele. Olhei para a grama verde, para o céu azul, para as pessoas felizes, e pensei em quantas fases já vivemos naquele parque. Contei: o primeiro balão de Sombra, a primeira letra escrita por Diego, o primeiro “mamãe”, a primeira cadeira motorizada, o primeiro passeio. E agora, o primeiro dia em que andamos juntos. O parque era testemunha de nossa história.
Durante o piquenique, as crianças começaram a brincar de contar sonhos. Lídia sugeriu: — Vamos dizer em voz alta (ou por escrito) um sonho que vocês têm. — Uma menina levantou a mão: — Quero aprender a tocar violão — disse. Um menino escreveu em um papel: “Quero ir à Disney”. Outra criança falou: — Quero que minha avó fique boa. — Diego pegou o tablet. Pensou, escrevendo devagar: “Quero andar no shopping sozinho”. As crianças aplaudiram. Uma de bicicleta gritou: — Você vai! — Eu o abracei. Senti que cada sonho compartilhado ali era regado com esperança.
Depois do piquenique, Clara organizou uma atividade com os cães. Ela pediu para as crianças se sentarem em círculo. Colocou Sombra e Bolt no centro. — Vamos mostrar como eles nos ajudam — explicou. Demonstrou comandos básicos, como “sentar”, “deitar”, “ficar”. Mostrou como Sombra empurrava uma bola com o focinho para Diego pegar com a cadeira. Mostrou como ele pegava objetos com a boca e trazia. As crianças observavam fascinadas. Lídia então falou sobre paciência, treinamento, e como o curso que fiz permitiu ensinar Sombra com amor. — Não é magia — disse. — É dedicação. — Lourdes contou que também havia começado um curso para ajudar Bolt a ser mais confiante. — E vocês podem ensinar seus animais, se tiverem, com carinho e respeito — completou. Senti orgulho de ver como o conhecimento se espalhava. Ao final, Clara convidou as crianças a acariciar Sombra e Bolt, lembrando-lhes de pedir permissão. Foi uma cena linda: pequenas mãos acariciando, rabos abanando, risos.
À medida que o sol começava a se esconder atrás das árvores, as pessoas começaram a se despedir. Uma a uma, famílias pegavam bicicletas, patins, bolsas. Lourdes se aproximou. — Eu nunca me canso de ver vocês — disse. — Obrigada por nos inspirar. — Abraçou-nos. Dona Helena entregou um pote de brownies restantes para levar para casa. As crianças abraçaram Diego e Sombra. Lídia fez um último discurso rápido: — Que este seja apenas o primeiro de muitos dias em que andaremos juntos — afirmou. Concordei. Deixamos o parque com o coração cheio. Os pés (ou rodas) cansados, mas a alma leve.
Na volta, o percurso pareceu mais rápido. Talvez porque sabíamos que podíamos. Talvez porque o sonho havia sido realizado. À noite, em casa, sentamos no sofá para relembrar. Diego escreveu no tablet: “Foi o melhor dia.”. Eu ri. — Não foi o último — respondi. — Você já tem planos para amanhã? — Ele respondeu: “Quero andar no shopping.”. Carlos, entrando na sala, ouviu e disse: — Vamos pesquisar horários tranquilos e planejar. — Sombra, deitado aos nossos pés, levantou a cabeça, como se entendesse que outra aventura estava por vir. Sua respiração profunda nos acalmava. Era o som de um coração que sempre acompanha.
Depois que Diego foi dormir, voltei para a sala. Sentei-me sozinha, com o tablet no colo. Olhei para a foto que tirara no parque, com todos andando juntos. Pensei em tudo que passamos. Em cada capítulo dessa história. No balão, no jornal, no certificado, no medallón, no sorteio, na cadeira motorizada. Tudo parecia tão improvável quando começou. E, no entanto, aqui estávamos. Pensei no tema da inclusão. Em como o “Dia que Andamos Juntos” não era só sobre Diego e Sombra. Era sobre todos. Sobre as crianças com bicicletas e patins, sobre o menino com muletas, sobre a senhora com bengala, sobre a família com Bolt, sobre a comunidade inteira. Era sobre a sociedade dando passos ao lado de quem mais precisa. Era sobre andar junto, literalmente e metaforicamente.
Escrevi uma mensagem rápida no grupo de pais da escola: “Hoje, vimos que sonhos se realizam quando compartilhados. Obrigada por caminhar conosco.” Recebi vários corações de volta. Fui dormir com a sensação de que, embora houvesse dias difíceis pela frente, havia também muita estrada para trilhar. Estrada que, agora, poderíamos percorrer juntos. E dormi com a certeza de que o próximo sonho estava à espera de ser sonhado. Porque, quando andamos juntos, a coragem se multiplica. E, como Diego escreveu em seu caderno de memórias: “Quando ando com Sombra, não tenho medo de cair. Porque sei que ele está ao meu lado.”
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