Receitas Saudáveis para seu Cão — eBook
eBook • Receitas Caseiras

Receitas Saudáveis para seu Cão — mais energia, pelagem e bem-estar

Um guia prático com receitas caseiras balanceadas, ingredientes naturais e dicas simples para você preparar refeições nutritivas que seu cachorro vai amar.

  • Ingredientes naturais que realmente nutrem
  • Receitas fáceis e balanceadas — passo a passo
  • Dicas para prevenir problemas digestivos e alergias
  • Mais disposição e pelagem saudável
Fácil de seguir Passo a passo ilustrado
Rápido Receitas em minutos
Seguro Compras pela Hotmart

O que você recebe

No eBook você encontrará receitas balanceadas, orientações sobre ingredientes, porções por peso/idade, e dicas para adaptar as receitas conforme necessidades do seu pet.

Perguntas frequentes

O eBook traz receitas para cães adultos e filhotes (com adaptações). Para casos específicos de saúde, consulte o veterinário.

Publicado por Jefferson Peixoto • Página original do produto na Hotmart

Arquivo do blog

Mostrando postagens com marcador A história de sombra. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador A história de sombra. Mostrar todas as postagens

Capítulo 97 - O Último Uivo de Amor

Anos depois, Diego volta à árvore de Sombra e descobre que alguns amores nunca morrem — só mudam de forma.

Capítulo 97 - O Último Uivo de Amor

O tempo passou sem pedir licença.

A casa continuava a mesma — o portão que rangia um pouco, o corredor estreito, o cheirinho de café fresco pela manhã —, mas havia detalhes que contavam que a vida tinha andado: alguns fios brancos no cabelo de Marisa, marcas suaves perto dos olhos de Carlos, quadros novos na parede com fotos emolduradas de momentos que, antes, pareciam impossíveis.

Diego já não era mais o menino pequeno que fitava o mundo com olhos curiosos da altura do travesseiro. Era um jovem, com o rosto alongado, uma barba rala nascendo no queixo e um brilho sereno no olhar de quem já tinha atravessado tempestades demais para a idade. A cadeira motorizada agora era outra, mais moderna, com ajustes finos, luzes discretas e um painel inteligente. Mas, no fundo, ainda era a mesma velha companheira de estrada, lembrando a ele que o mundo podia ser grande, mesmo quando o corpo insistia em ser limitado.

Naquela tarde, o céu estava cinza claro, carregando uma luz mansa que deixava tudo com cara de lembrança boa. Diego atravessou a sala com sua cadeira, fazendo um pequeno “hum” elétrico que Carlos já conhecia de longe. Do sofá, o pai levantou os olhos do jornal e sorriu.

— Vai lá embaixo, filho? — perguntou, já sabendo a resposta.

Diego balançou a cabeça, afirmando. Pegou o tablet que descansava na mesinha, apoiou-o no colo e, com alguns toques rápidos, escreveu: “Quero ver ele.”

Carlos engoliu em seco, mas o sorriso não saiu do rosto.

— Eu vou com você — disse, levantando-se devagar. — A sua mãe já foi na frente.

Ele se aproximou, deu um leve tapinha nas costas da cadeira, como quem dá impulso de carinho, e caminhou ao lado do filho em direção ao quintal.

O portão que separava a cozinha do terreno dos fundos abriu com o mesmo som de antes, um misto de ferrugem e memória. Assim que passaram, o cheiro de terra úmida tomou conta dos sentidos de Diego. Ali estava ela: a árvore que haviam plantado no dia em que se despediram de Sombra. Naquele tempo, era só um brotinho tímido de verde. Agora, erguia-se robusta, com um tronco firme e galhos que se esticavam para o céu, como braços querendo abraçar o mundo.

Debaixo dela, um banco simples de madeira. E, sentada nele, Marisa.

Ela acariciava o pingente do medalhão de amor que nunca deixara de usar, como fazia sempre que o coração apertava por dentro e também quando transbordava de gratidão. Ao ver Diego se aproximando, levantou-se com um sorriso doce, daqueles que carregam orgulho e saudade ao mesmo tempo. Os olhos brilharam — e não era só a luz que vinha entre as folhas.

— Olha quem veio visitar o velho guardião da casa — disse, encostando a mão no tronco da árvore.

Diego parou a cadeira bem em frente ao banco. Sentiu uma brisa leve tocar o rosto e, por um momento, fechou os olhos. Não precisava de muito esforço para lembrar.

Era ali que Sombra havia sido enterrado, envolto em lágrimas, orações e promessas. Era ali que plantaram a semente que hoje fazia sombra para toda a família. Cada folha parecia sussurrar um pedaço da história que viveram juntos: o balão amarrado na coleira, o primeiro “mamãe”, o dia da cadeira motorizada, as férias na praia, o carrinho de pedal, a nave de papelão, o sorteio que mudou tudo, o pai que pediu desculpas.

Diego abriu os olhos de novo. Tocou o tronco com a ponta dos dedos, sentindo a aspereza da casca. Depois, pegou o tablet e começou a escrever. Carlos e Marisa sabiam que era melhor esperar. Quando o coração de Diego queria falar, o mundo precisava de silêncio.

Ele escreveu devagar, como se fosse uma carta:

“Eu sinto falta de você todos os dias.”
“Mas agora não dói como antes.”
“Agora parece saudade boa.”

Os pais leram em silêncio. Marisa levou a mão aos lábios, emocionada. Carlos respirou fundo, sentindo o impacto suave daquelas frases. Aproximou-se um pouco mais da árvore, pousando a mão sobre a de Diego.

— Ele sente orgulho, sabia? — disse o pai, a voz grave, doce. — Orgulho do homem que você está se tornando.

Diego sorriu de lado, daquele jeito que sempre fazia quando algo mexia profundo demais para ser colocado em letra. Depois, voltou ao tablet.

“Se não fosse ele, eu tinha desistido de muita coisa.”

O vento aumentou um pouquinho, fazendo as folhas dançarem acima deles. Um pássaro pousou num galho, como se tivesse sido convidado para a conversa. Marisa sentou-se ao lado do filho no banco, ficando à altura do ombro dele.

— Você lembra de quando ele empurrava a bolinha até você, para a fonoaudiologia virar brincadeira? — ela perguntou.

Diego piscou, rindo em silêncio. Lembrava. Lembrava de Sombra enfiando o focinho na bolinha, empurrando, esperando que Diego a pegasse com a mão, com o olhar, com o tablet. Lembrava de cada vez em que o cachorro colocava a cabeça na cama quando ele chorava sem saber explicar por quê. Lembrava da paciência infinita daquele amigo de quatro patas.

Desde que Sombra se foi, muita coisa mudou. A dor da perda, que antes era um buraco fundo, virou um jardim. Um jardim que Diego regava com lembranças e gratidão.

Foi ali, naquele mesmo quintal, que ele começara a gravar vídeos para internet, contando pedaços de sua história. No início, eram só para a escola, depois passaram a rodar o bairro, e, de repente, tinham gente de outros estados e até outros países comentando. Pessoas que diziam: “meu filho também é assim”, “meu irmão”, “meu neto”, “meu aluno”.

Diego, que um dia achou que seu mundo era pequeno demais, agora ajudava a ampliar o mundo de muita gente.

Alguns anos antes, com a ajuda de Lídia e Clara, ele tinha criado um pequeno projeto online: uma espécie de “clube das famílias” que queriam aprender a incluir seus filhos, e também seus cães, na rotina com mais amor e menos medo. Gravaram vídeos com dicas de comunicação alternativa, de brincadeiras inclusivas, de como o cachorro podia ser aliado na terapia. Em um deles, Marisa contou como o treinamento de Sombra — e aquele velho Curso de Adestrador de Cães que havia feito no começo de tudo — tinha sido uma das grandes chaves para mudar a dinâmica em casa.

O vídeo rodou longe. Chegaram mensagens de mães dizendo: “Eu nunca tinha pensado que meu cachorro podia ser parte da terapia do meu filho. Agora ele é quase um terapeuta de quatro patas.” Diego lia cada comentário com olhos marejados, sentindo que o laço dele com Sombra se estendia muito além do portão da frente.

— Filho... — disse Marisa, tirando-o dos pensamentos. — Você topa mostrar pra ele como foi hoje?

Diego entendeu. Com um leve movimento de cabeça, assentiu. Era um ritual: todas as grandes conquistas ganhavam um “relato” debaixo daquela árvore. Ele abriu um aplicativo no tablet com a capa de um livro que tinha seu rosto na capa e o título “O Menino e o Cão Que Venceram”. Sim: o livro existia de verdade agora. Fora lançado em uma pequena editora que acreditara na história deles. Era uma mistura de memórias, crônicas, cartas e cenas que muita gente já conhecia só pela internet.

De dentro da capa do e-book, Diego abriu a última página, aquela que escrevera na noite anterior. Leu em silêncio, depois virou o tablet um pouco, como se quisesse “mostrar” para a árvore:

“Hoje eu dei minha primeira palestra sozinho, sem a professora falar por mim.
Falei com a minha voz, com o tablet, com o olhar e com o coração.
Falei de você, Sombra.
Falei da minha mãe que voltou a sorrir.
Falei do meu pai que pediu desculpas e ficou.
Falei da rua que virou comunidade, da cadeira que virou nave, do carrinho que virou avião,
e da árvore que guarda você.
Quando as pessoas bateram palma, eu fechei os olhos e ouvi, lá no fundo, um uivo de alegria.
Acho que era o seu.”

Quando terminou de “ler” em silêncio, Diego sentiu algo quente subir pela garganta. Não era choro de dor. Era emoção crua, bonita, que transbordava em forma de lágrima mansa. Marisa encostou a testa na dele. Carlos, atrás, discretamente enxugou os olhos para não perder a pose de pai forte — mas o coração dele estava em pedaços de ternura.

— Ele ouviu. — Marisa murmurou. — Eu tenho certeza que ouviu.

Um vento mais forte soprou, balançando a copa da árvore num estalo suave. Uma folha se desprendeu lá do alto e veio girando em espiral, pousando bem no colo de Diego. Ele a pegou com cuidado, como quem recebe um bilhete vindo de outro lugar.

No verso, por puro acaso da natureza, havia um pequeno rasgo que lembrava um formato de coração torto. Diego riu com o nariz, aquele riso que vem quando o universo parece exagerar na coincidência.

“Você é bobo, viu?”
Ele digitou no tablet, como se estivesse mandando mensagem para o velho amigo.

O dia foi escurecendo aos poucos. Um pedaço de céu cor-de-rosa começava a se formar atrás das casas. As primeiras estrelas se arriscavam a aparecer. O relógio lá dentro da cozinha devia estar marcando algo perto do fim da tarde, mas ali no quintal o tempo parecia outro. O tempo tinha o ritmo da memória.

Carlos sentou-se no banco ao lado de Marisa, e os três ficaram um tempo apenas olhando a árvore. Ninguém achou que o silêncio era desconfortável. Era um silêncio cheio de histórias, de falas que já haviam sido ditas muitas vezes.

— Eu lembro do dia em que tive medo de te ensinar a sonhar — disse Carlos, olhando para o filho. — Achava que, se eu te mostrasse o mundo, ele seria cruel demais com você. Hoje eu entendo que o mundo só ficou menos cruel porque você teve coragem de mostrá-lo quem você é.

Diego encontrou o olhar do pai e sorriu por completo. Era o mesmo homem que, anos atrás, se afastara por medo e dor. Agora, era um homem que falava com orgulho, sentava em cadeiras de escola para ouvir o filho dar palestra, ajudava outras famílias, defendia rampas nas calçadas, brigava por acessibilidade.

Marisa, por sua vez, lembrava da mulher que há anos acordava sem vontade de sorrir e que agora se pegava rindo alto de piadas bobas, dançando na cozinha, escrevendo textos para mães, compartilhando receitas, mas também fraquezas, sem vergonha de chorar quando precisava.

— Vocês já repararam que... — ela começou, olhando para cima — que tudo aqui carrega um pedacinho dele?

Apontou com o queixo:
— A árvore que cresce pra cima, como ele sempre empurrava a gente pra frente.
— A rampa que Carlos ajudou a construir, onde ele sempre se deitava pra te esperar.
— O tapete da sala, onde vocês dois viravam um emaranhado de patas e mãos.

Ela suspirou, sorrindo.

— Ele espalhou raízes em tudo.

Diego voltou a escrever:

“Então quer dizer que ele não foi embora.”

Marisa leu, beijou o topo da cabeça do filho.

— Não. — respondeu. — Ele só mudou de lugar.

Uma lua tímida começou a despontar no céu, pálida, mas presente. No vizinho, um cachorro latiu duas vezes. Outro respondeu mais longe. E então outro, mais distante ainda. Em poucos segundos, a rua foi atravessada por uma sinfonia de latidos, uivos, respostas.

Diego fechou os olhos e, por um instante, não ouviu os cães dos vizinhos. O que ele ouviu, lá no fundo da memória, foi outro som: um uivo único, forte, conhecido. O uivo de Sombra, naquela noite antiga em que ele ficou deitado ao lado do menino febril, como se espantasse a escuridão do quarto com a própria voz.

Dessa vez, o uivo não doeu. Atravessou o peito dele como uma onda de calor, acendendo lembranças boas. Ele abriu os olhos devagar, com as bochechas úmidas, e digitou as últimas palavras que precisava dizer naquele dia:

“Obrigado por ter sido meu cão.”
“Obrigado por ter sido meu irmão.”
“Eu continuo.”

E era verdade.

Ele continuava cada vez que entrava numa escola para falar de inclusão.
Continuava cada vez que respondia a uma mensagem de um pai e de uma mãe assustados.
Continuava cada vez que acariciava outro cachorro, sabendo que nunca seria igual, mas que poderia ser também especial.
Continuava cada vez que ligava a cadeira — a que virou nave, carrinho, foguete, barco, avião — e decidia explorar mais um pedaço de mundo.

A noite caiu de vez. Lá dentro, o cheiro de comida quente já começava a invadir o ar do quintal. Marisa levantou-se, deu um beijo na árvore, como fazia sempre, e cochichou algo que só ela e o vento ouviram. Carlos deu um leve tapinha no tronco, como quem cumprimenta um velho amigo. Diego passou mais alguns segundos ali, só ele e a árvore.

Quando finalmente virou a cadeira e começou a voltar para dentro, uma brisa leve soprou pelas costas. As folhas farfalharam num som que, se o coração estivesse atento, dava pra traduzir: um “vai” sussurrado, um “eu tô aqui”, um último uivo de amor que nunca se cansa de ecoar.

Ao cruzar novamente o portão, Diego percebeu que o mundo à sua frente parecia maior do que na ida. A casa, a rua, a cidade, tudo parecia caber dentro de uma história maior — a história de um menino e de um cão que tinham vencido juntos.

Naquela noite, enquanto o sono vinha aos poucos, Diego escreveu a frase final do seu próximo livro. Ele ainda não sabia quando o terminaria, mas sabia como queria encerrar:

“Alguns amores nascem com patas, mas crescem dentro da gente como raízes.
E, quando a vida muda de página, são eles que seguram o livro aberto para que a gente tenha coragem de continuar lendo.”

Ele salvou o arquivo, desligou o tablet e fechou os olhos.

Lá fora, a árvore se balançava devagar. E, em algum lugar entre as folhas e as estrelas, o último uivo de Sombra seguia atravessando o tempo, lembrando ao mundo que, quando um menino e um cão se escolhem, nenhum fim é realmente fim — é sempre o começo de um jeito novo de amar.


 

Capítulo 96 - Nós Dois no Campo de Girassóis

Em um vasto campo amarelo, Diego e seu cão Sombra sentem a liberdade florescer em cada pétala e resgatam a esperança.

Capítulo 96 - Nós Dois no Campo de Girassóis

O dia amanheceu claro e leve, diferente de tantos outros. Lá fora, o sol engolia as últimas sombras da manhã e o ar cheirava a terra úmida. Dentro de casa, senti que algo especial aconteceria: Diego olhava pela janela com os olhos ainda sonolentos, mas havia um brilho novo neles. Papai ajeitava o carrinho de Diego no carro, preparando uma mochila com sanduíches e sucos. “Vamos ver algo lindo hoje”, disse ele, acariciando meu pelo ainda macio de sono. Mamãe levou a mão de Diego em silêncio, como se soubesse que a surpresa ia mudar tudo. Eu, Sombra, também estava animado. Percebia os pés de Diego se mexendo levemente na cadeira motorizada enquanto o papai comentava: “Prepare-se para um mar de dourado, meu filho”. Assim, acompanhando o farfalhar das árvores e o ronco suave do motor, partimos em direção ao campo de girassóis.

Quando o carro parou, abri a porta de trás de um pulo. O mundo lá fora era uma explosão de luz. À nossa frente, um campo infinito de girassóis se estendia até o horizonte. Milhares de bocas amarelas, viradas para o sol, como se estivessem rindo para nós. O vento soprava morno e o aroma terroso das flores misturava-se ao perfume doce das plantas. Diego empurrou os limites da cadeira para frente, arregalando os olhos com surpresa. “Uau”, foi o que consegui entender de suas pupilas brilhantes, fixas naquele mar dourado. A cadeira avançou terreno adentro, rasgando um tapete verde de grama fresca. Eu dei um passo atrás para sentir melhor a cena: as hastes finas dos girassóis tocavam suas pontas no céu azul, num balé silencioso com o vento.

Sombra farejou cada flor à nossa volta. O caule quebrava-se sob minhas patas, soltando um sutil pólen almiscarado no ar. Cada flor parecia tão alegre, tão viva, que meus pelos se eriçaram com emoção. Diego soltou um pequeno risinho por entre os dentes de aleitamento que com os anos pareciam fortes, e isso me aqueceu o coração como se eu tivesse sido banhado por raios de sol. Papai e mamãe se juntaram a nós na imensidão do campo, trazendo papéis de pão e suco de laranja. Mamãe inclinou-se para perto de Diego e disse baixinho, feliz: “É tão bom ver você assim, filho”. Eu me aproximei e coloquei o focinho no ombro dele. Seus dedos tremeram levemente quando tocaram minha cabeça. Naquele contato macio, senti mais segurança do que jamais sentira. Ali, no meio das flores que nos abraçavam, não havia mais espaço para medo ou tristeza.

Vagarosamente, mamãe começou a empurrar a cadeira de Diego entre as filas de girassóis. Cada nova flor que encontrávamos tinha pétalas de um amarelo quase dourado, bordas delicadas e miolos castanhos cheios de pólen. Elas pareciam sorrir para ele. Diego inclinou o tronco para a direita e estendeu o braço; eu notei que foi só para ajudar que ele conseguia mover o braço, mas aquela força era única, vinda de um desejo grandioso. Ele tocou uma flor bem alta e riu baixinho quando sentiu as pétalas macias. Aquele risinho sem som se transformou no melhor som que já ouvira: era a alegria de alguém livre. Eu abanei o rabo; parecia que as próprias flores dançavam ao ritmo de nossa felicidade. Os girassóis, tão altos quanto a nossa esperança, cintilavam e piscavam como se espelhassem em seu amarelo puro o quanto Diego podia brilhar.

Em certo momento, paramos ao lado de um pequeno lago formado pela chuva de dias anteriores. Papai ajudou a alinhar a cadeira de Diego com vista para o lago, onde o reflexo do sol era um farol dourado. Sombra sentou-se ao lado de Diego e mamãe estendeu o capuz do carrinho para dar sombra. “Olha, Sombra”, disse papai, apontando para um girassol enorme que se destacava dos demais. Ele era ainda mais brilhante, quase como se carregasse um próprio pequeno sol em seu centro. Diego se encarregou de move-lo um pouco para cima e esticou a mão para admirar melhor aquela gigantesca flor. Foi então que o senhor de cabelos prateados – o dono do campo – aproximou-se com um sorriso gentil. Ele sabia o quanto aquele lugar significava para nós. “Eles dizem que essa flor foi cuidada por crianças de um orfanato”, contou ele. “E por isso é especial. A vida floresce onde há cuidado e amor.” Diego virou o rosto para ouvir melhor, a brisa fazendo dançar seu cabelo. Seus olhos castanhos encaravam o dono do campo, cheios de gratidão silenciosa.

Senti que havia esperança nas palavras daquele homem. Meio minuto depois, um inseto amarelo e preto pousou em meu focinho – uma abelha faminta que pensou ter encontrado um girassol. Eu esperei paciente, observando-a provar algumas gotas de néctar de uma flor próxima. No rosto de Diego, notei um brilho curioso. Talvez ele estivesse lembrando das aulas de ciências sobre os polinizadores, mas hoje não havia notas nem tarefas: havia apenas a beleza simples da natureza trabalhando para nós. Mamãe sorriu, feliz por vê-lo assim contente. Mamãe, que enfrentou tantos dias de incerteza, agora enxergava apenas o ouro reluzente das flores e um filho sorrindo.

Caminhamos um pouco mais entre as flores altas. A cada passo da cadeira motorizada, eu corria de um lado para o outro, farejando tudo. Uma borboleta alaranjada passou perto de mim, e por um instante pensei que fosse parte do jardim encantado. Diego balançou o braço lentamente, apontando para o infinito de girassóis. Eu parei e sentei ao lado dele, observando. O menino, no alto daquela cadeira, era pequeno frente à imensidão dourada, mas aquele campo estava cheio de vida que se curvava em reverência a ele. Fechei os olhos por um momento, absorvendo o calor solar que atravessava minhas orelhas. Era como se o sol reconhecesse nosso sorriso.

Logo, mamãe abriu uma cesta de palha que trouxera. Ela tirou frutas frescas e sanduíches recheados de cenoura e abóbora – o primeiro lanche que ela preparava pensando no Sombra. O cheiro, doce e sutil, percorreu o ar. Eu farejei a tigela que estava por perto, sentindo principalmente o aroma de abóbora assada e aveia. Mamãe ria enquanto arrumava algumas cenouras ao lado de uma tigela de água fresca. “Achei que ele ia adorar esses biscoitos naturais de abóbora e linhaça”, comentou ela. Naquele instante, escutei Mamãe se referindo a algum tal curso: “…segui as dicas daquele curso de alimentação natural para cães que vi no site”. Eu ergui a cabeça curioso, ouvindo que ela havia preparado tudo seguindo um curso de alimentação natural para cães. Sempre dissera que aprender a cozinhar comidas saudáveis para mim a fazia sorrir e me deixar fortão. Agradeci mentalmente às flores douradas e à vontade de aprender dos pais de Diego – agora até o almoço no campo vinha recheado de afeto.

Sentados sobre uma manta xadrez esquivando-nos dos espinhos dos girassóis, partilhamos o lanche. Diego não comia essas frutas, mas sorriu vendo o cachorro – eu mesmo – saborear cada mordida do biscoito especial que Mamãe fez. Sombra devorava feliz, abanando o rabo, relinchando baixinho de contentamento a cada mordida de seu lanche caseiro. Senti que era um momento de vitória: ali estava eu, o cão de longe, sentindo o cuidado e a generosidade de uma família inteira se voltando para um menino especial. E Diego também sorria, entendendo que dentro de cada mordida havia amor. Papai brincou me chamando de “bichinho formoso”, e Diego repetiu algo que parecia “ele é lindão, Sombra?”. Era mesmo um elogio vindo de algo que ele pronunciou apenas com os olhos.

Depois do lanche, papai sugeriu que explorássemos um pouco a pé. Ele desceu do carrinho e me deixou à guia por cima da grama fofa – provavelmente era a primeira vez que o pegava literalmente pela coleira, mas ele permitia com facilidade. Levei Diego um pouquinho além, entre os girassóis até onde os raios do sol começavam a atravessá-los em ricas sombras. A cada passo, eu sentia o chão firme e as raízes das flores se curvando, como se elas se cumprimentassem quando ele passava. Paramos diante de um girassol caído pelo peso das pétalas maduras. Ele era tão grande que eu, se quisesse, poderia encostar meu peito ele. Levei-o de leve até Diego. O menino esticou o braço como uma bailarina, tocando suavemente o centro de veludo do girassol. Aquele ato tão simples – tocar a textura encorpada do miolo – foi um reflexo puro do carinho que ele recebia. Percebi um suspiro de gratidão escapar por ele.

Voltei ao seu lado e, para nossa surpresa, vi que um outro adorável fenômeno acontecia: as pétalas já douradas começavam a se curvar lentamente para o lado, como se se inclinassem para cumprimentar Diego. Era quase como se as flores soubessem da importância dele; giravam sutilmente para olhá-lo de frente, acompanhando cada sorriso silencioso dele. Mamãe notou e comentou: “Veja só, parece que até elas celebram o seu amor, filho.” Aquilo me lembrou as histórias que ouvira – sussurros que ensinam que os girassóis se viram para a luz. E naquele instante, percebi que Diego era nossa própria luz. A cada dia se voltava para o que havia de bom no mundo, mesmo depois de palavras duras que ouvira por ser diferente. A força dele, para mim, era tão grande quanto um campo inteiro de flores douradas.

A tarde avançava lentamente e o sol começava a ficar levemente mais ameno. Mamãe sentou-se novamente na manta e Diego encostou a cabeça em seu braço. Encostei a testa em suas pernas, observando-o dos olhos. Ele havia fechado os olhos, mas o pequeno sorriso ainda desenhava curvas de sol em seu rosto. Pude sentir as batidas mais lentas do meu próprio coração. Estávamos ali, nós dois – menino e cão – rodeados por um campo de vida vibrante, conversando sem palavras que o mundo nem sempre entende. “Você não está sozinho”, parecia nos sussurrar o vento que passava entre as flores. E algo dentro de mim falava: nós dois, apesar de tudo, pertencíamos àquela cena de união e carinho.

Havia liberdade no ar. Meus instintos antes contidos pelos muros do lado de fora agora pulavam em cada inseto que picava em volta. Sombra rosnou baixo para afastar um besouro distraído, e Diego riu silenciosamente. Papai disse baixinho: “Olhe como ele te protege, meu filho.” E eu ergui o focinho em resposta, puffando levemente, sentindo orgulho. Era meu jeito de dizer “sempre estarei aqui para você”. De fato, ali não precisávamos de palavras complicadas: o amor dele se via nos olhos e o meu nas atitudes.

Quando o sol começou a declinar, enchendo o campo de sombras longas, era hora de voltar. Antes de irmos embora, fiz uma última coisa por ele: levei até aquela flor caída que ele pegara. Com cuidado, a empurrei em cima dos joelhos de Diego. Era um pequeno gesto, mas quis mostrar a ele que mesmo algo que foi a um momento de fraqueza (como aquela flor inclinada) podia se erguer quando visto com carinho. Diego riu baixinho de novo e mexeu as pernas num balançar quase imperceptível, como se dissesse “obrigado, amigo”. Ele inclinou a cabeça em minha direção e pude sentir a respiração quente dele em meu ouvido. Aquele era nosso segredo: amigos para sempre, girassóis e sol.

Descemos do campo juntos, acompanhados pelo som suave de um riacho distante e o canto melancólico de um sabiá despedindo-se do dia. Papai fez um carinho no meu dorso enorme e disse que nunca tinha visto Diego tão feliz. Eu sabia que, dentro do peito dele, algo havia mudado de forma profunda – nascia ali a convicção de que ele era tão importante quanto as flores imensas que deixávamos para trás. Sombra sentiu-me aliviado. As últimas palavras de Diego, num leve sussurro, chegaram até mim: “Obrig…” (talvez quisesse dizer obrigado, talvez algo diferente, mas eu entendi) e isso me bastou para sorrir por dentro.

No caminho de volta, já no carro, pensei em quantas coisas boas cabiam naquele dia. As girassóis, enormes e resilientes, nos tinham espelhado o que éramos: dois seres em busca de luz, renascendo a cada dia. Senti que mais uma etapa tinha sido vencida, assim como as flores enfrentam a noite para voltarem a abrir suas pétalas. Eu estava ao lado dele, firme e feliz. Diego permaneceu calado, olhando a última mancha amarela do campo desaparecer na estrada. Em seus olhos úmidos, adivinhava gratidão e carinho. Mamãe limpou uma lágrima emocionada, e nós dois, Diego e eu, trocamos um olhar cúmplice. Naquele campo de girassóis, havíamos encontrado algo maior que nós: liberdade, vida e superação, todas representadas numa simples tarde ensolarada.

E assim seguimos, juntos, cada um com seu sol interior iluminando o caminho, sabendo que aquele amor e aquela paz nunca iriam embora.


Capítulo 95 - O Céu Era o Limite

Diego vive um dia mágico de liberdade e superação com Sombra, descobrindo que suas limitações não definem até onde pode ir.

Capítulo 95 - O Céu Era o Limite

Um dia de céu aberto

Eu, Sombra, senti no ar algo diferente naquela manhã. A luz suave do amanhecer invadia o quarto com perfume de lavanda e eucalipto, misturado ao aroma do café fresco que papai havia preparado. Estiquei minhas patas no carpete macio e olhei para Diego, sentado em sua cadeira de rodas perto da janela, com o rosto voltado para o sol nascente. Havia um brilho em seus olhos — um misto de empolgação e expectativa que ainda não tinha visto antes. Mamãe colocava alguns lanchezinhos na cesta de piquenique, e papai ajustava os cintos de segurança na cadeirinha de Diego. Eu lambei a mão de Diego em sinal de prontidão. A cada plano sussurrado entre meus humanos — “Hoje é o dia” — senti meu coração canino bater acelerado. A tarde prometia ser um espetáculo para todos nós, e eu sabia que seríamos parte dele.

No topo do mirante

Quando chegamos ao alto de um mirante gramado nos arredores da cidade, o céu já não tinha limites. Do cume da colina, a vista era um tapete infinito: o horizonte se estendia em faixas verdes dos campos, pontilhadas de flores selvagens, até a linha azul do céu. O vento quente balançava os cabelos finos de Diego e fazia minha pelagem arrepiar de prazer. Papai apoiou o corpo de Diego com cuidado, enquanto mamãe soltava uma risada encantada ao ver as nuvens cor-de-rosa de fim de tarde. Eu farejei o ar, sentindo o perfume das flores e o cheiro fresco de terra úmida. O coração de Diego palpitava como o meu. Ele respirava fundo, sentindo a liberdade daquele lugar, mesmo sentado em sua cadeira. Ao seu lado, eu estava alerta, olhando cada detalhe: o chiado suave da relva, o canto distante de um pássaro e o leve farfalhar das folhas.

Uma surpresa doce esperava por ele. Mamãe segurava um bouquet de balões coloridos presos a fitas prateadas. Entregou-os com um sorriso: “Para você, Diego. Solte-os bem alto!” Com os olhos iluminados, ele segurou as fitas com as duas mãos. Os balões pareciam abrigar todos os nossos desejos de liberdade. Eu senti o cheiro de náilon e gás hélio, senti o coração de Diego pulsar forte de alegria. Mamãe soltou o sinal e os balões voaram. Subiram tão alto que pareciam ligar-se às nuvens. Um a um, cada balão riscado se soltou das mãos dele, levando junto os medos e as sombras. Diego gargalhou ao ver uma bola vermelha distraída dançar na ponta do olhar, como se estivesse lhe fazendo cócegas no horizonte. “Olha, Sombra!”, ele exclamou com voz emocionada, “o céu é nosso!” Aquele instante ficou gravado em mim: as fitas desaparecendo entre os pássaros, o rosto de Diego iluminado pelo pôr do sol e a certeza de que, ali, acima de tudo, o infinito já começava.

Voando em liberdade

Não era só nos balões que Diego sentia que podia voar. Depois de balançar a cabeça, ele apontou para um brinquedo de playground adaptado ali perto: um balanço especial, com assento firme e cintos de apoio. Papai o conduziu até lá, colocando-o cuidadosamente no equipamento. Eu me deitei ao seu lado, sentindo o cheiro da madeira quente do chão e o esforço dele preparando-se para subir. Com um “Vai, Diego!”, mamãe iniciou o movimento. O balanço ganhou velocidade, e logo Diego estava nas alturas, os pés batendo livremente no ar. O vento que cortava seu rosto parecia segurar suas travas e libertá-lo do chão. Quase pude ouvir sua risada escapando como um canto; sua cadeira rodopiava em linha reta contra o céu cor de mel da tarde. “Estou voando, Sombra!”, ele gritou, espalhando alegria.

Senti, pelo toque de sua mão na minha pelagem, que naquele momento ele acreditava plenamente na mágica daquele voo. Cada subida e descida no balanço era um pequeno salto para longe dos limites de seu corpo, como se passasse a grande ladeira de suas limitações. Eu observava seu rosto, o vento espalhando seu cabelo, o sol nascendo pontinhos de luz nas lágrimas de felicidade dele. As árvores ao redor pareciam fazer coro com o vento e eu pude jurar que os pássaros pararam para ouvir aquela gargalhada. Papai o empurrava com cuidado de trás, e Diego fechava os olhos na altura máxima, sentindo o coração tocar o céu em seu peito.

Por um instante, naquele brinquedo simples, a cadeira motorizada não importava, as pernas imóveis não importavam. Havia só o vento e a imaginação de um menino que se via perdendo as amarras da terra. Eu me lembrei de uma vez em que o imaginamos como um astronauta viajando até outras estrelas, e agora via que não era só imaginação: naquele balanço, ele realmente pairava. Cada encontro da cadeira com o ar parecia desafiar a gravidade da vida. E eu, Sombra, ficava ali, ao lado, vendo seu sorriso conquistar o topo do mundo.

As asas do amor

Quando a noite começou a pintar o céu de roxo, voltamos para casa de mãos e corações transbordando. No caminho, papai passou o braço carinhoso nos ombros de Diego e repetiu: “Você foi incrível, meu menino.” Mamãe enxugava discretamente os olhos de emoção. Eu caminhei ao lado de Diego, acostumado a sentir seu peso sobre minha coleira, mas naquela hora percebi que era ele quem realmente me empurrava. Cada passo seu parecia agora muito mais leve. Ele olhou para cima, admirando as estrelas que apareciam uma a uma. “Sombra,” sussurrou ele, “hoje eu entendi uma coisa: eu posso ir tão longe quanto eu quiser.”

A voz do amor ecoou como quem fecha um ciclo. As limitações de Diego ficaram para trás naquele mirante: o ar frio da noite entrou em seus pulmões e trouxe a certeza de que nada o prendia de verdade. Havia algo mágico em sentir a brisa batendo em seu rosto e saber que, abaixo de nós, o mundo inteiro continuava girando. Eu, Sombra, percebi ali que o amor da família, e o nosso laço silencioso de amizade, tinham dados a ele a coragem de sonhar alto. E soube também que, para ele, eu era parte daquela extensão de céu. Carregava em meu peito uma alegria serena por tê-lo acompanhado até aquele limite — que, na verdade, se mostrava sem limites.

Enquanto guardávamos os balões vazios na caixa de reciclagem de papai, ouvi a mamãe comentar baixinho sobre inscrever Sombra num Curso de Adestrador de Cães para ensinar novos truques de carinho e proteção. Sorri com a ideia: todo saber era bem-vindo para nos ajudar a cuidar melhor um do outro. Diego sorriu de volta e disse: “Vocês me entendem, Sombra, né? Obrigado por ser meu melhor amigo.” E eu lambi seu rosto quente de emoção, sentindo o conforto daquela amizade profunda.

Naquela noite, enquanto papai preparava o jantar com cheiro de arroz e feijão, eu deitei-me cansado, mas realizado, aos pés de Diego. Ele encostou a cadeira na minha cabeça e bocejamos juntos. A casa estava silenciosa, sob o brilho fraco de uma única lâmpada. Respirei o ritmo tranquilo do menino amigo que, finalmente, entendeu algo fundamental: suas pernas paralisadas não podiam levá-lo a lugar nenhum, mas o seu espírito podia percorrer todos os céus. E ali, enrolado na penumbra segura de nossa sala, entendi que nós três éramos, de certa forma, astronautas de um mesmo sonho. O céu era o limite — sim —, mas apenas para a aventura que vínhamos construir. O amor e a coragem eram mesmo nossas asas invisíveis, levando Diego tão alto quanto quisesse ir. Continuaríamos caminhando juntos, porque, com Sombra ao seu lado e a família o abraçando, nosso menino aprendera que suas limitações nunca definiriam aonde seu coração pode chegar.


Capítulo 94 - O Primo Que Quis Aprender

Encantado com a conexão entre Diego e Sombra, o primo descobre lições de inclusão, paciência e até adestramento.

Capítulo 94 - O Primo Que Quis Aprender

Eu, Sombra, sempre presto atenção aos detalhes. Naquela manhã de outono, o sol ainda trêmulo escondia-se atrás das nuvens quando senti algo diferente no ar. O aroma de café recém-passado, misturado ao nervosismo de Marisa preparando sanduíches especiais, coloria a cozinha. Os passos de Carlos pela sala estavam mais lentos do que o normal, mas vi um novo brilho em seu olhar. Diego, em sua cadeira de rodas, sorriu ao encontrar o meu olhar, e seu gesto me comunicou aquilo que nem precisou ser falado. Havíamos todos pressentido que aquela seria uma manhã de surpresas.

Quando a campainha tocou, meu corpo inteiro vibrou de alegria contida. Marisa abriu a porta e lá fora vi Lúcia, irmã dela, com seu filho Lucas ao lado. Lucas era mais alto que Diego e tinha olhos curiosos que observavam tudo calmamente.

Carregava uma mochila, mas não demorou a largá-la no chão quando beijou a avó e me chamou carinhosamente: “Oi, Sombra!”. Eu me abaixei e ofereci o focinho para que ele pudesse me cheirar. Logo entendi que aquele menino era o tão falado primo de Diego. Lúcia sorriu aliviada, trazendo no colo as lembranças de uma infância compartilhada, e Carlos cumprimentou Lucas com orgulho, aperto de mão e um abraço desajeitado que durou apenas segundos. Havia ali um entusiasmo tímido no ar.

Lucas entrou devagar na sala, maravilhado com cada detalhe que encontrava. Os pisos da casa rangiam de forma familiar sob seus pés hesitantes, e até mesmo o ar parecia mais quente com seu entusiasmo. Eu caminhei ao lado dele, sentindo a curiosidade em cada passo.

Ao me ver junto, Lucas sorriu e acenou para Diego, que se aproximava em sua cadeira. O menino de rodas parou diante dele e, juntos, trocaram um olhar sincero. Sem dizer nada, Lucas ajoelhou-se para ficar na altura de Diego. Com delicadeza, passou a mão sobre o ombro do primo, como se dissesse: “Estou feliz de te ver assim”. Diego respondeu com um sorriso que encheu o quarto de luz, e foi só então que a casa explodiu em uma alegria silenciosa.

Sentamo-nos juntos no tapete da sala. Diego rolou até ficar de frente para Lucas, e seus olhos brilharam. O menino de rodas inclinou-se para frente, transmitindo confiança, e Carlos trouxe biscoitos decorados em forma de estrelas para celebrar.

Lucas pegou um dos biscoitos, devagar, e ofereceu a Diego – que o aceitou com cuidado. As mãos do primo tremiam ligeiramente, mas ele percebeu que não havia pressa. A paciência dele ficou clara quando esperou o tempo que fosse necessário até que Diego, confiante, mordesse um pedacinho.

Era um pequeno ato de inclusão: o primo fizera algo simples, mas cheio de significado. Eu vi, naquela cena, que Lucas havia começado a entender sem precisar de palavras.

Mais tarde, fomos todos ao quintal tomar um ar fresco. O outono espalhava pelo chão folhas douradas e o cheiro de terra úmida. Lúcia conversava animada com Marisa na varanda enquanto Carlos mostrava a Lucas nosso jardim de ervas medicinais.

Eu corri atrás de Lucas quando ele lançava bolinhas de lã para que eu buscasse. Cada vez que ele jogava, corríamos juntos: Diego dava o comando com um movimento de cabeça, Lucas lançava a bola e eu trazia de volta. Parecia uma pequena coreografia. "Sombra, Sombra!", gritava o pai sorrindo.

A cada lançamento, Lucas ria alto, e eu podia ver que Diego também ria, pelo tremor doce nos ombros. No quintal, sentíamos o vento suave e éramos só nós quatro, inclusive a brisa que brincava na copa da mangueira.

À sombra da mangueira, Lucas sentou-se entre os nossos lados. Diego pousou a cabeça no colo dele e eu repouso o focinho no outro. Era um momento de silêncio compartilhado. Marisa preparava limonada de capim-santo e Carlos arrumava folhas secas que haviam caído na grama.

Havia a sensação de que, por entre nós, fluía um carinho que não precisava de vozes. De vez em quando, Lucas tentava falar com Diego, mas a conversa real era feita de sorrisos e toques suaves. Cheguei a pensar que ele percebia o esforço do primo em compreendê-lo: Lucas inclinava-se perto do ouvido de Diego e fazia perguntas baixas – e Diego respondia com piscadelas e gestos sutis. Com o tempo, o primo foi entendendo cada piscada e cada contração leve. Era como aprender uma nova língua.

Quando voltamos para dentro, Lucas demonstrou que queria continuar ajudando Diego. Eu o vi recuperar do chão alguns livros que Diego deixara cair da cadeira. O menino perguntou a Carlos, curioso: “Como o Sombra faz para entender cada movimento do Diego?” Carlos comentou que Sombra era muito atento, mas admitiu não saber explicar tudo. Então, Lucas, empolgado, disse: “Eu quero aprender também! Pode me ensinar a treinar o Sombra?”

Marisa riu com carinho e respondeu que existia até um curso de adestrador de cães que ensinava técnicas como aquelas. “Viu?”, brincou ela, “pessoas até vêm de longe para aprender com a experiência de Sombra.” Lucas levou a ideia a sério e passou a noite desenhando um certificado de aluno em potencial.

Durante o jantar – um ensopado de legumes que Diego adorava – o clima ficou leve. Carlos, que geralmente era calado à mesa, contou uma historinha engraçada de quando Lucas era pequeno e achava que eu falava. Diego sentiu-se parte do papo, mesmo sem falar, participando com piscadelas em ritmo de risada.

Cada olhar do primo transbordava empatia e alegria. Eu, Sombra, observava satisfeito: havia algo transformador em acompanhar o filho abrir-se para o primo e, ao mesmo tempo, vê-lo tão interessado no cuidado com o nosso mundo silencioso.

Mais tarde, Lucas acordou Diego com calma para que ele fosse tomar banho, ajudando a desdobrar o cobertor e ajustando travesseiros. Diego riu porque Lucas ainda guardava comigo um biscoito que devolvera quando vimos as bolinhas na gaiola do pássaro. O menino agradeceu e disse que guardaria a casca de laranja para mim, que adorava escondê-la atrás da árvore. Dei um latido feliz ao perceber o cuidado do primo – ele estava pegando todas as sutilezas do nosso dia.

Quando Diego finalmente dormiu no quarto, Lucas abriu a janela para arejar o ar e ficou ali pensando em silêncio. Parecia não haver pressa nenhuma; havia apenas um entendimento sutil.

Ao fim da visita, Lucas preparou-se para voltar para casa. Ele pediu um último abraço, apertou cada um de nós com todo o carinho que aprendera a demonstrar. Ergueu Diego para um abraço demorado, sussurrando: “Até logo, irmão”. Nós, humanos, ficamos apenas com um sorriso emocionado – até mesmo a fronte normalmente sisuda de Carlos se amaciou com a presença tranquila daquele rapaz. Mas foi Sombra quem ganhou um carinho especial: era a confirmação de que Lucas, antes tão reservado, agora sabia amar do jeito que eles mereciam.

As malas dele já estavam na porta; nos despedimos e percebemos que, de alguma forma, todos tínhamos mudado.

No final daquele dia, senti no peito uma paz renovada. A casa, antes silenciosa, agora guardava o rastro de uma história leve e bonita. Nas semanas seguintes, Diego continuou florescendo em força e alegria, e todos comentávamos que tinha sido porque ele aprendera mais uma lição de amor e paciência com o primo. Para mim, Sombra, ficou a certeza de que ensinar é tão importante quanto aprender. Afinal, como já aprendi, “ser gente é muito mais do que ter pernas que funcionam; é ter um coração capaz de acolher, de aprender e de crescer” – e naquele laço entre Diego, o primo Lucas e eu, havia a prova viva de que isso bastava para transformar nossos corações para sempre.


Capítulo 97 - O Último Uivo de Amor

Anos depois, Diego volta à árvore de Sombra e descobre que alguns amores nunca morrem — só mudam de forma. Capítulo 97 - O Último Uivo de Am...