Um certificado simboliza anos de lutas e conquistas de Diego e Sombra, lembrando que cada passo vale um prêmio de amor e fé.
Capítulo 81 - Um Certificado de Superação
Era um daqueles dias em que o céu parecia mais azul do que nunca, como se o próprio universo quisesse marcar algo especial no calendário da nossa história. A casa exalava o cheiro de bolo recém-assado, e as flores no jardim pareciam recém-regadas pela luz da manhã. Diego acordara com um sorriso suave, diferente dos outros dias. Sombra, nosso fiel pastor alemão, deitou-se ao lado da cama dele, como sempre fazia, mas dessa vez havia no olhar dele uma expectativa diferente, como se pressentisse que algo grandioso estava prestes a acontecer. Acordei mais cedo que o habitual, preparei um café forte para mim e um leite morno para Diego, e comecei a organizar a rotina daquele sábado que prometia ser inesquecível.
Tudo começou algumas semanas antes, quando recebi um e-mail da diretora da escola. No assunto, lia-se: “Reconhecimento”. Abrindo a mensagem, deparei-me com um convite comovente. A escola, junto à associação de pais e mestres, decidira conceder a Diego e Sombra um “Certificado de Superação”. Eles haviam observado, dia após dia, as conquistas de meu filho e a dedicação do cão em acompanhá-lo em cada passo. Essa superação não se limitava às conquistas públicas, como a apresentação na feira ou a reportagem no jornal, mas também às pequenas vitórias que aconteciam longe dos olhos de todos, como a primeira vez em que Diego escreveu o próprio nome ou o dia em que pronunciou “mamãe”. Ao final do e-mail, uma pergunta: “Vocês aceitariam receber este reconhecimento em uma cerimônia simples, diante dos colegas e professores?” Fechei os olhos, respirei fundo e senti uma mistura de gratidão e medo. Aceitar significava revisitar nossa história diante de todos. Mas como recusar? Cada conquista de Diego era uma prova de superação, e Sombra, com sua paciência e amor, era parte fundamental de tudo. Respondi “sim”, com o coração acelerado.
Compartilhei a notícia com Carlos naquela noite. Ele estava cansado, sentado à mesa, analisando contas, mas ao ouvir minhas palavras, deixou tudo de lado e sorriu emocionado. — Eles merecem — disse ele. — Você merece. Nós merecemos. — Diego, que estava próximo, brincando com peças de montar, parou e nos olhou. Peguei o tablet e escrevi para ele: “Certificado de Superação”. Ele franziu a testa, sem entender. Expliquei com calma: — A escola quer nos dar um papel que prova o quanto você é forte. — Ele sorriu tímido e escreveu: “Sim?”. — Sim, amor. Vamos aceitar. — E assim, entre sorrisos e lágrimas, começamos a nos preparar para mais uma etapa da nossa jornada.
Os dias que antecederam a cerimônia foram preenchidos com a mesma rotina de sempre: terapias, exercícios, brincadeiras, mas também com a expectativa do momento que se aproximava. Sombra parecia perceber nossa ansiedade. Passava mais tempo deitado ao lado de Diego, colocando a cabeça no colo dele e suspirando quando sentia que nós nos preocupávamos demais. Voltei a assistir alguns vídeos das aulas do Curso de Adestrador de Cães que fizera para ajudá-lo a interpretar ainda melhor as emoções de meu filho. Lá aprendi que o cão absorve nossas tensões e que sua presença muitas vezes funciona como um calmante natural. Em uma lição, o instrutor dizia que os cães podem servir de termômetro emocional, avisando quando o ambiente está pesado. Agradeci por ter tido a oportunidade de aprender aquilo e por Sombra ter incorporado esse papel com tanta maestria.
Na véspera da cerimônia, Lídia, a professora de Diego, veio até nossa casa para nos dar alguns detalhes. Ela estava radiante. — Pensamos em fazer uma pequena apresentação antes de entregar o certificado — contou. — Vamos mostrar fotos, vídeos, e depois o Diego pode escrever alguma coisa no tablet para o público. Sombra, claro, estará ao lado dele. E, se você quiser falar algo, o microfone será seu. — Fiquei nervosa. Falar em público sempre foi um desafio, mas falar sobre meu filho era ainda mais delicado. Eu queria falar tudo, mas sabia que o mais importante era transmitir a essência da nossa jornada e agradecer. Lídia me abraçou, percebeu minha insegurança e disse: — Você saberá o que dizer quando estiver lá. — Ela tinha razão.
O dia chegou. Acordamos cedo, arrumamos Diego com a roupa que ele mais gostava: uma camisa azul com um pequeno desenho de balão bordado no bolso e calças confortáveis. Arrumei o cabelo dele com carinho, passei levemente meus dedos para domar os fios teimosos e beijei sua testa. Carlos vestiu uma camisa social e seu sorriso mais bonito. Eu escolhi um vestido simples, mas elegante, e respirei fundo. Coloquei em minha bolsa o tablet, o caderno com pictogramas, alguns lencinhos, porque sabia que choraria, e até levei uma pequena medalha de São Francisco que minha mãe me dera quando Sombra chegou, para trazer proteção. Sombra usava sua coleira com o balão bordado e parecia orgulhoso. Quando saímos de casa, a vizinha da porta ao lado, Dona Helena, acenou e gritou de sua janela: — Vocês já são vencedores! — Sorri, acenei e senti as lágrimas começarem a acumular nos olhos.
A escola estava decorada de maneira festiva. Faixas coloridas balançavam ao vento, e um banner enorme com a frase “Parabéns, Diego & Sombra!” pendia na entrada. Fomos recebidos por Lídia e pela diretora, ambas emocionadas. Muitos professores e pais se aproximaram para nos cumprimentar. A sala onde aconteceria a cerimônia era simples, com cadeiras enfileiradas, um pequeno palco improvisado com um pódio, um projetor ligado na tela branca e um vaso de flores no canto. Havia um espaço reservado na primeira fila para nós. Quando entramos, percebi que a sala estava cheia. Alunos, professores, pais, amigos. Todos aguardavam em silêncio, com expectativa. Sentei-me, respirei e segurei a mão de Diego. Olhei para Sombra, que se deitou ao lado da cadeira. Estávamos prontos.
A cerimônia começou com a diretora explicando o objetivo do encontro. — A escola, além de ensinar letras e números, ensina valores — disse. — E hoje queremos falar sobre superação, resiliência e amor. Queremos homenagear duas criaturas que nos ensinaram mais do que podíamos imaginar. — Ela passou a palavra para Lídia, que conduziu a apresentação de slides com fotos de Diego e Sombra ao longo dos anos. Uma imagem mostrava Diego bebê, em seu primeiro dia na escola, com os olhos grandes e curiosos. Outra mostrava Sombra filhote, com as patas ainda desajeitadas. Depois, fotos dos dois juntos: Diego escrevendo o A no tablet, Diego segurando a coleira com o balão, Diego e Sombra no jornal, Diego no palco da feira. Cada foto vinha acompanhada de uma legenda e de um murmúrio da plateia. Alguns enxugavam lágrimas discretamente. Eu segurava o choro, apertando os dedos de Diego.
Quando os slides terminaram, Lídia chamou-nos ao palco. Respirei fundo, levantei-me com Diego, e Sombra nos acompanhou. Subimos os degraus com calma. A diretora entregou o microfone para Lídia, que disse: — E agora, queremos ouvir a mãe do Diego. — Peguei o microfone. A voz tremia. — Em primeiro lugar, obrigada — comecei. — Obrigada por estarem aqui, por acreditarem, por compartilharem nossas vitórias e nossas dificuldades. — Olhei para Diego e continuei: — Este certificado é mais do que um papel. Ele simboliza cada noite sem dormir, cada lágrima derramada, cada sorriso, cada palavrinha. Simboliza a força que descobrimos que tínhamos quando pensávamos não aguentar. Simboliza o amor que Sombra trouxe quando entrou pela porta lá de casa. Simboliza o apoio de cada professor, terapeuta, vizinho e amigo que nunca nos deixou sozinhos. — A plateia escutava em silêncio, alguns com olhos vermelhos. — Sempre ouvimos que superação é um ato heróico, grandioso. Mas descobrimos que ela é feita de pequenas coisas: de acordar mais cedo para fazer exercícios, de insistir em uma letra, de aplaudir um som que ninguém mais ouviria. É feita de paciência, de fé e de companheirismo. Este certificado também é de vocês. Obrigada. — Devolvi o microfone e abracei Diego.
Foi então que a diretora chamou um aluno ao palco, um menino do sexto ano que participava do jornal da escola. Ele segurava uma pasta. Caminhou até nós e, com mãos trêmulas, abriu a pasta, retirando de lá um papel com bordas douradas. Era o “Certificado de Superação”. A escola havia caprichado. O papel tinha as palavras “Reconhecimento de Superação” no topo, seguidas por nossos nomes: “Diego M. e Sombra da Silva”. Embaixo, um texto dizia: “Por sua coragem, perseverança e por inspirar todos nós a acreditarmos no impossível”. A assinatura da diretora, o selo da escola e a data completavam o documento. Ao lado, um pequeno espaço onde Sombra deveria colocar sua pata. Não pude conter as lágrimas. Diego olhava para o papel, curioso. Sombra balançava o rabo, como se entendesse.
Lídia pediu um tinteiro com tinta atóxica que havia deixado preparado. Mergulhou a pata de Sombra na tinta, com delicadeza, e carimbou o espaço em branco do certificado. Uma pata azul, perfeita, apareceu ao lado do nosso nome. A plateia aplaudiu com entusiasmo, mas com cuidado para não assustar Diego. Ele sorriu. Eu sorri. Carlos, ali na primeira fila, chorava abertamente. Lídia pegou o papel carimbado, levantou-o e disse: — Este é mais do que um certificado. É a prova de que o amor pode ser carimbado. É a prova de que letras tortas e patinhas azuis podem escrever uma história de superação. — Todos aplaudiram de pé. Diego e eu nos abraçamos. Sombra nos rodeou, latindo baixo, como se comemorasse. Fiz um carinho em sua cabeça e sussurrei: — Obrigada, meu herói de quatro patas.
Em seguida, Lídia convidou Diego a fazer uma pequena apresentação com o tablet. Ele respirou fundo, sentou-se em uma cadeira alta e, com a caneta, escreveu devagar: “Obrigado”. Depois, olhou para a plateia e, com a outra mão, apontou para seu peito e depois para todos, como se quisesse dizer: “Também amo vocês”. O silêncio foi quebrado por um grande “Ahh…” coletivo. Eu fiquei emocionada mais uma vez. A diretora agradeceu a participação de todos e lembrou que, nas pequenas e grandes vitórias, a escola sempre estaria ao nosso lado.
Quando a cerimônia terminou, as pessoas vieram nos abraçar, tirar fotos, conversar. Recebemos elogios e palavras de apoio. Um senhor idoso que eu nunca tinha visto antes se aproximou e, com a voz rouca, disse: — Perdi meu filho num acidente há 20 anos. Nunca consegui superar. Hoje, vendo vocês, vi que a superação está no olhar de quem continua. Obrigado. — Eu chorei abraçada a ele. Uma mãe de outra cidade, que viera só para ver a cerimônia, me disse: — Tenho um filho de sete anos que ainda não fala. Depois de ler sobre vocês, eu voltei a ter esperança. — Respondi que a esperança precisa de alimento, que é uma plantinha frágil que precisa de rega constante: amor, paciência, empatia.
Na semana que se seguiu, o certificado ganhou lugar de destaque na parede do nosso corredor, ao lado de outros documentos importantes: a foto da festa de aniversário, o desenho que Diego fizera de Sombra, o recorte da reportagem no jornal, a palavra “Mamãe” escrita tremida. O corredor virou uma galeria de vitórias. Toda vez que passávamos por ali, tocávamos o vidro que protegia o certificado. Era como tocar em um amuleto. Amigos, familiares e vizinhos vinham ver o documento. Alguns traziam pequenas lembranças: um cartaz de parabéns, uma carta. Eu lia tudo para Diego. Sombra se deitava no corredor e parecia vigiar o tesouro que agora pertencíamos.
Receber o certificado também nos ensinou novas coisas. Entendi que, muitas vezes, buscamos validação externa para as lutas internas, e não há nada de errado nisso. O reconhecimento da escola nos trouxe força para continuar. Percebi, também, que superação não é um destino, mas um caminho. Não se encerra com um certificado ou um carimbo de pata. É algo que se renova todos os dias, nas pequenas batalhas do cotidiano: na hora de aprender uma nova palavra, de caminhar mais um passo, de lidar com uma crise inesperada. O certificado é uma lembrança de onde chegamos, mas também um empurrão para continuar. Toda vez que o vejo, lembro-me de que a nossa jornada é feita de coragem e amor.
Lembro também de uma frase que Clara, a repórter do jornal, disse quando nos visitou: — Vocês são prova de que milagres são escritos com letras tortas. — Na hora, achei bonito, mas agora entendo profundamente. O certificado de superação, com seu papel bonito e letras perfeitas, contrasta com as letras tortas do “DIEGO” escrito no tablet. Mas é justamente esse contraste que dá sentido. Porque, para nós, perfeição nunca foi o objetivo. O objetivo foi, e sempre será, felicidade. E naquele dia, recebendo o certificado de superação, éramos o retrato da felicidade.
Carlos e eu conversamos muito após a cerimônia. Perguntei a ele como se sentia. — Orgulhoso — respondeu. — Orgulhoso de você, de Diego, de Sombra. Orgulhoso de nós. — Eu concordei. Disse que também me sentia grata: por ter uma família que me apoia, por ter profissionais que nos guiam, por ter um cão que traduz emoções. E, principalmente, por ter a oportunidade de viver uma história de superação com tantas testemunhas amorosas ao nosso redor. Ele segurou minha mão e disse: — Vamos continuar escrevendo essa história. — Assenti. Porque histórias assim não acabam. Elas se desdobram, se renovam, se multiplicam. E cada capítulo pode ou não receber um certificado. Mas, no fundo, nós sabemos o valor de cada letra, de cada palavra, de cada passo. E isso basta.
Às vezes, sento-me no corredor, olho para o certificado e penso em tudo o que ainda virá. Imagino Diego adolescente, escrevendo frases inteiras, talvez se aventurando a desenhar seus próprios quadrinhos. Imagino Sombra, mais velho, com pelos brancos, ainda deitando-se ao lado dele. Imagino novas conquistas, novos desafios, novas superações. E lembro-me de que cada uma delas, mesmo que pequena, merece um certificado invisível, carimbado não por tinta azul, mas por lágrimas, sorrisos e amor. Esse é o verdadeiro certificado de superação: aquele que carregamos no coração.
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