Um medalhão misterioso torna-se símbolo do amor e da coragem de Diego e Sombra, unindo memórias e novos horizontes.
Capítulo 84 - O Medalhão de Amor
Havia algo diferente naquela caixa de madeira, escondida no fundo do armário da sala. Eu a encontrara por acaso, enquanto organizava os objetos da casa numa tarde de verão. A caixa tinha entalhes delicados, desenhos de flores e folhas, como se guardasse um tesouro. Em sua tampa, uma inscrição em letras finas: “Para quem ama, o tempo é eternidade”. Fiquei curiosa. Abri devagar, temendo quebrar a magia. Lá dentro, envolto em um tecido de veludo azul, havia um medalhão. Não era de ouro nem de prata; parecia uma mistura de metal e memória. No centro, um desenho de um coração entrelaçado com a silhueta de um menino e de um cão. Abaixo, uma palavra gravada: “Amor”. Senti um arrepio. Fechei os olhos por um segundo e imaginei quem teria deixado aquilo ali.
Chamei Diego. Ele veio rapidamente, arrastando a cadeira com pressa e olhos curiosos. — O que é isso, mamãe? — escreveu ele no tablet. Coloquei o medalhão em suas mãos. Era frio ao toque, mas emanava uma energia quente. O coração dele acelerou. Sombra, nosso fiel pastor alemão, aproximou-se devagar, cheirou o objeto e depois me olhou, como se pedisse permissão para tocar. — É um presente — respondi. — Talvez seja nosso. — Diego franziu a testa. — De quem? — escreveu. E, então, as lembranças começaram a se misturar como fitas de cores no vento.
Voltei no tempo. Lembrei-me de uma conversa com Tia Helena, a vizinha. Alguns meses antes, logo após a cerimônia em que recebemos o certificado de superação, ela me dera um embrulho. — Guarde isto. — disse, com olhos brilhando. — Você vai saber quando abrir. — Naquela época, agradeci, mas guardei no fundo do armário, prometendo-me abrir na hora certa. Talvez essa fosse a hora. Tia Helena sempre dizia que amor é como uma joia: não se guarda em qualquer lugar. E lá estava o medalhão, esperando por nós. Contei isso a Diego, que sorriu. — Então é de Tia Helena? — perguntei-me em voz alta. Ele escreveu: “É nosso”. Era verdade. Não importava quem o fizera. A intenção era clara: aquele medalhão era um símbolo de algo que existia entre nós.
Decidimos, então, descobrir mais. Fomos até a casa de Tia Helena. Ela nos recebeu com seu avental florido e sorriso de sempre. — Ah, vocês encontraram! — exclamou, ao ver o medalhão. — Sim — respondi. — O que é? — Ela nos fez sentar e começou a contar uma história que me emocionou profundamente. — Este medalhão pertencia à minha avó — disse ela. — Ela costumava dizer que o amor é a maior proteção, a maior força. Quando viu a reportagem de vocês no jornal, decidiu que o medalhão precisava de uma nova casa. Ela não sabia como lhes entregar. Pedi a ela que me deixasse guardar e entregar quando fosse a hora. E senti que a hora era agora. — Tia Helena segurou nossas mãos. — O medalhão tem energia própria. Diz a lenda que, quando alguém o segura, sente as histórias de amor mais profundas. — Diego olhou para o medalhão e depois para mim. Era como se estivesse segurando todas as histórias que já contamos.
Voltamos para casa com o medalhão, sentindo-o cada vez mais nosso. Coloquei uma corrente nele e o pendurei na parede da sala, entre o certificado de superação e o desenho de Diego segurando um balão. Toda vez que passávamos por ali, o medalhão refletia a luz de forma diferente. Ele parecia pulsar ao ritmo do nosso coração. Em uma manhã de domingo, decidi que Sombra também precisava sentir o medalhão de perto. Segurei-o diante do focinho dele. Ele cheirou, fechou os olhos por um segundo, e então lambeu minha mão. Algo me dizia que Sombra, sensível como era, captava a energia. Talvez lembrasse das primeiras vezes em que nos deitamos juntos no chão, chorando, esperando milagres. Talvez lembrasse das aulas do Curso de Adestrador de Cães que fiz para ajudá-lo a entender nosso mundo. Aprendi, naquela época, que os cães se conectam com nossos sentimentos de forma indescritível. O curso me ensinou comandos e técnicas, mas também me ensinou a ouvir com o coração. O medalhão era uma tradução desse aprendizado.
Mas por que chamar de Medalhão de Amor? Naquele fim de tarde, enquanto recolhia roupas no varal, vi Diego sentar-se no sofá com Sombra e o medalhão na mão. Ele ficou em silêncio por alguns minutos, olhando o objeto, passando a mão pelo relevo. Depois, pegou o tablet e escreveu: “Medalha?”. Sorri. — Um medalhão é como uma medalha, mas mais especial — expliquei. — Ele carrega histórias. — Diego pensou. — E amor? — acrescentou. Sim. Era um medalhão de amor. E, assim, o nome ficou. A partir daquele dia, o medalhão não era apenas um objeto. Era um contador de histórias, um ativador de lembranças. Toda vez que alguém que amávamos nos visitava, convidávamos a tocar o medalhão e contar uma história de amor.
A primeira a tocar foi Clara, a fonoaudióloga. Ela chorou e nos contou como havia se apaixonado pela profissão ao ver uma criança, anos atrás, dizer sua primeira palavra. Ela via as crianças como pequenas borboletas, esperando a hora de voar. Tocou o medalhão, sorriu e disse: — Lembrei do Diego voando. — Lídia, a professora, tocou e contou sobre seu amor pela educação, nascido quando era criança e ensinava bonecas. Carlos tocou e falou sobre nosso amor, que começou numa festa junina. Tia Helena, novamente, contou do amor que sua avó tinha pelas plantas e como a via cuidar das flores com tanta dedicação que os vizinhos diziam ser bruxaria. A cada toque, o medalhão brilhava, como se guardasse as histórias. Diego tocava, sorria e escrevia palavras no caderno: “Amor vovó”, “Amor Clara”, “Amor escola”. Ele estava construindo um dicionário de amores.
Num sábado ensolarado, organizamos um piquenique no parque com amigos da escola, vizinhos e familiares. Levamos o medalhão pendurado no pescoço de Sombra, preso por uma fita azul. Quando chegamos, as crianças ficaram fascinadas. — Posso tocar? — perguntava cada um. E, cada vez que alguém tocava, pedia para contar uma história. Uma menina falou do amor pelo seu avô, que a levava para pescar. Um menino contou do amor por seu hamster, que dormia em sua mão. Uma adolescente falou do amor pelas estrelas e de como desejava estudar astronomia. Os pais se emocionavam. Eu observava e pensava: estamos criando uma rede de afeto. O medalhão estava cumprindo seu papel.
Um dia, levei o medalhão para a terapia ocupacional de Diego. A terapeuta, Paula, tocou e sorriu. — Lembrei de quando decidi mudar de carreira para ajudar crianças — contou. — Foi o momento mais difícil e mais feliz da minha vida. — Diego, segurando o medalhão, escreveu: “Paula herói?”. Sim. Todos tinham seu heroísmo. Ali entendi que o medalhão não era apenas sobre amor romântico, mas sobre amor pela vida, pela escolha, pela missão. E entendi, também, que amor é resistência. Senti isso quando, em uma noite difícil, com Diego em crise e Sombra inquieto, segurei o medalhão e sussurrei: — Me dá força. — Senti um calor na mão e soube que era minha própria força retornando.
O medalhão também nos serviu como lembrete de que nem tudo precisa ser dito. Em muitos momentos, basta sentir. Houve um dia em que briguei com Carlos por algo bobo: esquecera de comprar o leite sem lactose que Diego gosta. Fiquei irritada, ele também. Passamos a manhã em silêncio. À tarde, Diego pegou o medalhão, me entregou e escreveu: “Amor briga?”. Ri. Entendi a mensagem. Abracei Carlos, pedi desculpas, e ele também. O medalhão serviu como mediador, lembrando-nos do que realmente importava. Em outra ocasião, Sombra ficou doente. Precisamos levá-lo ao veterinário. Ficamos nervosos. Na sala de espera, Diego segurou o medalhão o tempo todo. Quando o veterinário disse que era apenas uma infecção leve, nós respiramos aliviados. Saímos da clínica e, na rua, Diego beijou o medalhão. Ele estava agradecendo. O amor se manifestava ali, em um gesto silencioso.
O tempo passou, e o medalhão ganhou histórias. Um dia, recebi uma carta do irmão de Tia Helena. Ele morava em outra cidade e tinha ouvido falar do medalhão. Na carta, contava que o medalhão havia sido usado por gerações para proteger as pessoas que amavam. Dizia que, quando um casamento passava por dificuldades, a avó entregava o medalhão aos dois e pedia para cada um contar três coisas que amavam no outro. Dizia que, quando uma criança ficava doente, a mãe segurava o medalhão e contava histórias de como desejava vê-la brincar. Dizia que, em tempos de guerra, o medalhão era passado de mão em mão para lembrar que o amor existe. Ao ler a carta, chorei. — Este medalhão tem carga histórica, Diego — expliquei. — Somos agora parte dessa história.
Contei a Carlos e decidimos fazer algo especial. Levamos o medalhão à escola, durante uma reunião com outras famílias. Explicamos a origem, mostramos a carta e convidamos todos a participar de um exercício: cada um tocaria o medalhão e contaria um ato de amor que praticara recentemente. E que representava heroísmo. Uma mãe falou que acordara cedo para preparar a comida preferida do filho. Um pai contou que havia ensinado a filha a andar de bicicleta e, quando ela caiu, teve vontade de chorar, mas sorriu para encorajá-la. Um aluno disse que havia ajudado um amigo a estudar para uma prova, mesmo que tivesse pouco tempo. Uma professora compartilhou que, apesar do cansaço, passou horas preparando aulas inclusivas. Lídia, com lágrimas nos olhos, disse que acordara no meio da noite pensando em um projeto para tornar a escola mais acessível. Cada relato fazia o medalhão brilhar.
Um dia, recebemos uma visita inesperada. Um senhor, que se apresentou como Alfredo, bateu em nossa porta. Tinha nas mãos uma caixa semelhante à que encontrei no armário. — Sou primo da avó de Tia Helena — disse ele. — Ouvi falar que o medalhão está em boas mãos. Quis conhecer. — Entrou, sentou-se à mesa e contou histórias antigas. Falou de como a avó dele ajudava pessoas pobres, cozinhando sopas para quem batia à porta. Falou de como o medalhão se perdeu por anos e, depois, foi recuperado. — Este medalhão sempre quis encontrar vocês — disse Alfredo. — Vocês representam tudo o que minha avó acreditava: amor, perseverança, compaixão. — Diego o olhava como se ouvisse uma fábula. — E mais — acrescentou Alfredo, olhando para Sombra. — Este cão é um guardião. Ele sente as almas. — Sombra abanava o rabo, como se entendesse.
As histórias sobre o medalhão se transformaram em um livro no qual escrevíamos memórias. Quando Diego completou doze anos, sugeri escrevermos uma carta para o medalhão. Ele concordou. Sentamos à mesa, com papel e caneta. — O que queremos dizer ao medalhão? — perguntei. Diego pensou, depois escreveu: “Obrigado por nos juntar.” Eu escrevi: “Obrigada por me lembrar do que importa.” Carlos escreveu: “Obrigada por me mostrar que amor é decisão diária.” Sombra, se pudesse escrever, talvez tivesse escrito: “Obrigada por fazer parte da minha família.” Guardamos a carta dentro da caixa, junto com o medalhão e a carta de Alfredo.
O medalhão de amor tornou-se nosso amuleto. Um dia, estávamos no parque e uma senhora, que nos viu na televisão, aproximou-se timidamente. — Vocês não são os do medalhão? — perguntou. — Somos — respondi. Ela sorriu, tocou o medalhão com delicadeza e fechou os olhos. Quando abriu, lágrimas escorriam. — Pensei no meu marido, que faleceu no ano passado — contou. — Lembrei de tudo o que vivemos. Obrigada por me permitir sentir. — Agradeci por compartilhar, e percebi que, de alguma forma, o medalhão ajudava a curar. Ele era mais do que nosso; pertencia a todos que acreditavam no amor.
Houve noites em que eu me perguntava se o medalhão tinha poderes, ou se o poder estava em nós. Cheguei à conclusão de que era uma combinação. O metal, frio e inerte, ganhava vida quando tocado por mãos cheias de história. Era a soma de emoções que o tornava especial. Em uma noite de tempestade, em que raios iluminavam o céu e trovões assustavam Diego e Sombra, seguramos o medalhão juntos. Senti a energia dele nos acalmar. Não era magia. Era lembrança. Lembrança de que passamos por tempestades antes e sobreviveríamos.
Certa vez, Lídia organizou uma peça teatral na escola, com o tema “Símbolos de Amor”. Cada criança escolheu um objeto que representasse amor em sua vida. Havia ursinhos, fotos, cartas, uma colher de pau da avó de um menino. Diego escolheu o medalhão. Subiu no palco, segurando o objeto no alto, e escreveu no tablet: “Medalhão amor. Eu herói.” As pessoas na plateia aplaudiram de pé. Choraram. Entenderam. Sombra estava ao lado do palco, olhando, como se orgulhoso. Ali percebi que o medalhão se tornara parte do coletivo. Deixara de ser nosso para ser símbolo da escola, da cidade, da comunidade. E isso nos enchia de orgulho.
A história do medalhão chegou a outras cidades. Fomos convidados para contar sobre ele em encontros de terapeutas, em seminários de inclusão, em programas de rádio. Às vezes, eu tinha medo de banalizar. Mas sempre que contava a história, via nos olhos das pessoas a mesma emoção. Era como se o medalhão ativasse a memória do amor que cada um carregava, muitas vezes adormecido. E não era o objeto em si. Era a permissão para lembrar, sentir, abraçar. Lembro-me de um terapeuta, na capital, que nos disse: — Vocês criaram um ritual terapêutico. — Nunca tinha pensado assim. O ritual de tocar o medalhão e contar uma história era, de fato, curativo. Depois disso, comecei a orientar outras famílias a criarem seus próprios ritualísticos. Pode ser uma pedra, uma foto, um botão. O importante é que carregue amor.
Um dia, o medalhão se perdeu. Diego ficou desesperado. Ele corria pela casa, procurando em gavetas, sofás, debaixo de camas. Eu também. Sombra ajudava, farejando cada canto. Foi um caos. Depois de horas de busca, encontramos o medalhão no bolso da jaqueta de Diego. Ele havia esquecido. Chorou de alívio. Abraçou o medalhão e escreveu: “Desculpa”. Eu o abracei e disse que estava tudo bem. Perder o medalhão nos fez perceber que nos apegamos ao objeto, mas que o amor que ele simboliza nunca se perde. Ficou a lição: o que é mais importante não se perde em bolsos.
No último Natal, decidimos fazer algo especial: convidamos as famílias que participaram de nossas histórias para um jantar. Cada uma trouxe um símbolo de amor. Colocamos todos em uma mesa, no centro. O medalhão estava lá, radiante. Lídia trouxe uma caneta que pertencia ao pai, falecido. Clara trouxe um lenço dado por sua avó. Dona Helena trouxe um livro de receitas amarelo. Carlos trouxe a camisa que usou no dia em que nos conhecemos. Cada objeto tinha valor. Contamos suas histórias, choramos, rimos. No final, Diego pegou o medalhão, olhou para todos, e escreveu: “Amor. Herói. Nós.” E entendemos. O medalhão nos unira. Ele era a soma de nossas histórias de amor.
Agora, enquanto escrevo esta história, olho para o medalhão pendurado na parede. Ele continua brilhando. Às vezes, à noite, quando a casa está silenciosa, ele parece pulsar, como se lembrasse de cada toque, de cada lágrima, de cada sorriso. Sombra, com mais pelos brancos agora, deita sob ele, como se protegesse o símbolo. Diego, adolescente, passa e ainda toca. Eu passo e ainda respiro. O medalhão de amor nos lembra diariamente de que somos feitos de histórias, de que o heroísmo está no cotidiano, de que amor se renova. Um dia, talvez, passaremos esse medalhão para outra família, como a avó de Tia Helena fez. E então ele continuará sua missão: guardar e inspirar amores. Até lá, ele é nosso. E continua nos lembrando de que amor é eterno, e herói é quem o vive.
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